quinta-feira, 18 de novembro de 2010

COMO SOMBRAS DE NÓS MESMOS


Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alquire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos hoomens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus. (Mt 5,13-16).

Acho válido que estabeleçamos um paralelo entre este texto e aquilo que seria uma releitura do Mito da Caverna de Platão. Apesar de pequeno este recorte nos faz perceber bem o tom do Sermão do Monte. Relendo o mito de Platão... era uma vez uma caverna. Uma caverna grande e escura. Dentro dela viviam homens e mulheres, adultos e crianças. Todos tinham suas tarefas na caverna. Atividades pesadas e pensadas que consumiam todo tempo entre o acordar e dormir daquelas pessoas, exceto por um momento. Um breve momento, quando a caverna era invadida pela luz e tudo dentro dela ficava muito claro. Naqueles instantes alguns fechavam os olhos, outros procuravam orientar suas ações, percebendo a correção ou o erro do que faziam, para outros era o momento de olhar para quem estava ao seu redor, ou ainda de olhar para si mesmos, através de suas sombras projetadas nas paredes da caverna. Quando a luz se esvaia todos eram novamente envolvidos pela escuridão, era hora de dormir... O brilho da luz incomodava muito, outras vezes, revelava algo com que valia a pena sonhar. Como aquelas pessoas foram parar ali? Diz a lenda que, em tempos imemoriáveis, homens e mulheres se mudaram para a caverna ao perceberem suas propriedades mágicas, ela permite enxergar apenas aquilo que se quer ver.
A partir desta leitura, muito particular, do mito da Caverna, percebo que é possível que estejamos a viver como sombras de nós mesmos. Dentro de cavernas. Definidos e consumidos pelas pesadas atividades que desenvolvemos todos os dias entre o acordar e o dormir. Atividades que não nos permitem respirar ou suspirar. Quem pensou para nós essa vida, essas atividades? Quem nos embuiu delas? Qual o seu sentido? São perguntas que uns todos os dias tentam responder, enquanto outros têm medo de enfrentá-las.
Mas há momentos em que, tal qual aqueles homens e mulheres, somos desafiados pela luz. Quando tudo fica muito claro e é possível ver. O que temos feito desses momentos? Muitos fecham os olhos, já não querem mais ver nem a sombra daquilo que poderiam ser. Outros brincam com a projeção da luz sobre o seu corpo. Muitos esperam esse momento para olhar para os outros. A maioria para apontar defeitos e falar da vida alheia. Poucos para ajudar e estender a mão. E tão poucos quanto os últimos, há alguns que olham para si mesmos e tentam se orientar pela luz.
Seja como for, o brilho intenso da luz incomoda a todos, apesar de provocar reações diferentes em cada um. Por isso quando ela se esvai é melhor dormir para voltar a fazer amanhã o mesmo que fazemos hoje, ou para sonhar com aquilo que poderíamos ser, mas que nunca seremos enquanto habitarmos em cavernas!
Qual é a sua caverna? Onde você se esconde daquilo que não quer ver?
Na sua profissão e no status daquilo que ela representa para o mundo? Em casa, nos afazeres domésticos? Na faculdade, no cursinho, na escola? Aqui, nas quatro paredes deste templo? Na religião? Ou em todos esses lugares?
No mito de Platão alguém, um dia, saiu dessa caverna e voltou para contar a novidade da vida lá fora. Todos acharam que ele estava louco. Na história da humanidade o Filho de Deus se fez carne e habitou entre nós para nos falar de uma outra possibilidade para o existir, que vai muito além de nossas cavernas...
Ele nos disse em Mt 5-7 que devemos amar aos nossos inimigos, dar a outra face, orar pelos que nos perseguem, evitar julgamentos precipitados, ajuntar tesouros no céu, entrar pela porta estreita, construir sobre a rocha, ajudar aos necessitados e pregar o verdade do evangelho a toda criatura sem considerar as nossas vidas preciosas a nós mesmos. E mais que aquele que quiser ser o maior deve ser o servo de todos!
Ele nos ensinou a ter fome e sede de justiça, a sermos misericordiosos, limpos de coração, pacificadores, sal da terra e luz do mundo.
Ele nos instou a guardar os nosso lábios, as nossas mente e os nossos corações. A nos arrependermos de nossos delitos e transgressões, a orarmos e a perdoarmos a quem nos tem ofendido. Ele nos Amou e nós o crucificamos!
Ele quis tomar sobre si os nossos fardos, aliviar nossas cargas. Mas elas dão sentido ao nosso jeito miserável e desumano de ser.
Ele quis nos falar que as preocupações da vida não nos definem, que nós não devemos andar ansiosos por nada nem pelo que havemos de comer, beber ou vestir. COMO SOMBRAS DE NÓS MESMOS. Que nós somos mais importantes do que as nossas roupas possam aparentar. Que a nossa vida é mais importante do que o requinte do alimento que ingerimos ou das panelas que o preparam. Ele teve a sabedoria de nos mandar aprender com as aves do céu e com lírios do campo que não estão preocupadas com essas coisas e mesmo assim Deus a eles prove. Ele disse que por mais ansiosos que estejamos não podemos acrescentar um dia às nossas vidas. Basta a cada dia o seu próprio mal. O dia de amanhã cuidará de si mesmo. Preocupem-se em sair das cavernas, em enxergar as coisas como elas realmente são. Em buscar em primeiro lugar as coisas e os padrões do Reino de Deus. Em abrir os olhos espirituais. A confiar na providência do Senhor. Em anunciar essa mesma mensagem que cura, restaura, liberta e salva àqueles que, ainda perdidos, habitam nos guetos, nas ruas, debaixo das marquises, no SCS, na Rodoviária, nas invasões, no lixão, no Conic, na nosso quadra, no nosso prédio, na nossa casa, nas nossas cavernas. Preocupem-se em ser sal da terra e luz do mundo.
O que faremos agora? Vamos dormir para esquecermos mais rápido o que ouvimos ou vamos nos contentar em sonhar que essas coisas poderiam ser realidade em nossas vidas? Tomara que nenhuma nem outra!